Coisas de irmão!


Ela tinha onze anos e eu dezesseis. Pode até não parecer uma diferença lá muito grande, mas não quando tratamos de irmãos. A convivência era difícil. Eu já tão madura - ou, pelo menos, eu assim pensava - e ela ainda tão inocente - ou, pelo menos, eu assim pensava - ainda esperando ansiosa na porta de entrada do mundo adolescente. Viviamos juntas, como a maioria dos irmãos dessa idade, comendo e dormindo de baixo do mesmo teto. Dividiamos o mesmo quarto e só não compartilhavamos a mesma cama por um pouco do bom senso que supostamente ainda existia na cabeça de meus pais, já que o guarda-roupa, a sapateira e o espelho - muito pequeno por sinal - ainda eram divididos para nós duas. Enfim, apesar de tudo isso, não trocavamos muitas palavras ao dia e, quando isso acontecia, não eram palavras graciosas e cheias de amor, eram curtas, as vezes monossilábicas, frias e até mesmo grosseiras se fosse preciso, tudo para uma melhor compreensão, pois eu sabia - e ela também - que se mais de cinco palavras fossem trocadas as lesões poderiam ser bastante graves. No entanto, isso é irrelevante, acho que aconteci o mesmo na casa de vocês, não? NÃO?! Tá brincando, né? Ah, uffa, que bom, não queria ser a única a ter vivenciado situações como essas. Enfim, o que eu lembro é que fazia sol, o céu estava lindo e azul, era cedo, um sábado se não me falha a memória. e estava tomando o meu café forte e amargo, como eu odiava, mas já fazia quase um mês que o açúcar não sai da lista do mercatil, já que minha mãe esquecia de comprar. Vi minha irmã passar rápido para o banheiro e na mesma velocidade sair dele. De lá, levou algumas coisas de higiene.

- Para onde você vai mocinha? - ela me ignorou, o que não era novidade e passou novamente em direção ao banheiro.

- Por favor, deixe pelo menos um rolo de papel higiênico! Se acabar esses dois aí, terei que arrancar as folhas do meu caderno do colégio para me limpar já que mamãe... Ei, aonde você vai mesmo?

Ela continou a me ignorar. Larguei a xícara por ali mesmo e a segui até o quarto. Em cima de sua cama havia uma mala, suas coisas estavam postas de uma maneira bagunçada e ela tentava fechar o zíper sem que nada ficasse para o lado de fora.

- Vamos viajar? Mamãe não avisou nada e...

Ela me olhou com uma cara séria e eu parei de falar instantaneamente.

- Não, não vamos viajar.

- E você vai?

- Não.

- E pra que essa mala?

- Vou fugir de casa.

- Vai o que??? - devia ter escutado errado, devia ser a cera, algodão para o ouvido era algo que minha mãe nem mesmo cogitava lembrar de comprar, tá tô brincando.

- É isso mesmo! E é melhor você ficar de bico fechado. Vou aproveitar que mamãe e papai não voltam cedo hoje e vou dá o pé daqui. Eu preciso de paz, eu preciso de liberdade, a vida é curta e eu já perdi 11 anos.

- Como é? - meu deus, eu devia ter perdido o episódio em que minha irmã é abdusida por hippies alienígenas.

- Ah, você nunca entende. Não vou perder meu tempo explicando. Sairei por essa porta em alguns minutos e você não me verá mais, pelo menos não por um tempo e você vai dizer para os nossos pais que eu estou acampando.

- Acampando? Mas até quando?

- Até você precisar dizer que eu fui engolida por um urso ou algo assim, ou até eles decidirem ligar para o meu celular.

Ela pegou a mala e, antes de fechar a porta totalmente, virou-se ... Bom, e começou a rir.

- LIVRE! LIVRE!

Fiquei alí sentanda, pensando o quão maravilhoso seria dalí pra frente. Um quarto, um guarda-roupa, uma sapateira, um espelho - um pequeno espelho, eu sei -, tudo aquilo só para mim. Seria fabuloso, sim, seria. Mas, depois pensei, e se um meteoro caísse exatamente sobre a minha casa e tudo o que eu tinha de mais precioso alí fosse destruido? Eu não teria mais nada para ser só meu, também não teria ninguém para discutir sobre isso, já que meus pais estariam discutindo como iriam arranjar outro local pra morar. Não teria ninguém para sofrer comigo por sentir exatamente a mesma dor que estaria sentindo e ninguém para rir depois que nós fossemos indemnizados pelo acidente cósmico e ficassemos ricos. Notei nesse momento o quão importante era minha irmã e quanto eu sentiria sua falta. Eu a amava e precisava dela. Corri para fora de casa e felizmente consegui encontrá-la antes que ela pegasse carona com o primeiro caminhoneiro que passasse.

- Pra dentro, JÁ!

- Como?

- PRA DENTRO!

Ela voltou para casa, submissa.

- Te odeio. - ela disse.

- Eu também!

E essas foram as palavras mais sinceras e amáveis que nós já trocamos até hoje.

3 Response to "Coisas de irmão!"

  1. A. Says:

    adorei o post, o blog tudo to te seguindo..

    www.allanpenteado.blogspot.com

  2. Isadora Lopes Says:

    descobri seu blog pelo "blogueando"
    e tô seguindo :DD
    beeeijos

  3. Isadora Lopes Says:

    ops,foi pelo blorkutando hahaha